Saturday, April 9, 2011

Nada é o que parece


O nosso encontro já estava marcado, vida após vida. Dizem que quando você encontra seu mestre e ele aceita te ensinar o caminho do meio, ele nunca mais desiste de você, e vida após vida ele te encontra, seja quando for, seja onde estiver. Comigo foi assim...
Era o inverno de 2010, muito frio em Nova Iorque. Eu andava inquieto, irritado com a baixa temperatura na cidade, insatisfeito com a minha vida, meio de saco cheio. Preciso fazer algo a respeito, pensava. Resolvi começar a praticar meditação.
Comecei a frequentar as aulas semanais com Sharon Salzberg no House of Tibet. Um mundo novo se abriu. Comprei livros sobre budismo, descobri que Dalai Lama estaria conduzindo um curso no Radio City Music Hall em Maio, e através das aulas de meditação pude ver que a minha mente era o verdadeiro samba do criolo doido. Mil pensamentos se formavam o tempo todo e eu os seguia, esses pensamentos geravam sentimentos e outros pensamentos. A mente não se aquietava. Não era à toa que me sentia esgotado... Com o tempo, aprendi a ver como se formavam e desintegravam os pensamentos. E que eles não tinham qualquer solidez, substância. Seguia as instruções da Sharon, quando os pensamentos apareciam eu os observava, mas evitava seguí-los. Aí a mágica acontecia. Eles desapareciam e não demorava muito para outros aparecerem. Não julgue ou condene seus pensamentos, dizia Sharon. Apenas observe, calmamente. Santo remédio esse de olhar sem julgar!!!
Sharon avisava, preste atenção nesse espaço entre os pensamentos. Esse vazio. Ah, esse vazio é mágico. Mas esse é assunto pra outro post.
Bom, numa desses noites de terça-feira eu vi um anúncio sobre a visita de Dalai Lama. Vi que o Tibet Center era o centro que havia organizado a visita. Fucei no website deles e descobri que aulas sobre budismo eram proferidas nas segundas-feiras. E lá fui eu.
Era uma segunda-feira de Fevereiro. Cheguei pouco antes das sete horas. A classe em que teríamos aula estava fechada e tive que esperar na porta com um grupo de desconhecidos. Aí chegou ele, o professor: Nick Vreeland. Fiquei surpreso, pois esperava um monge tibetano de olhinhos puxados. Mas Nick era diferente, claro, ocidental, elegante, magro, vestido como um monge. Me olhou diretamente nos olhos e se apresentou. Senti que mais que um olhar era uma análise que fazia. Nas aulas observei que suas explicações sempre foram diretas, bem american way... tudo muito lógico. Ao nos explicar algum conceito ou ensinamento budista ele terminava dizendo: vocês não devem acreditar cegamente nos ensinamentos. Sempre há que analisar, e se o pensamento ou ensinamento demonstrar-se correto e coerente sob análise, aí sim adotá-lo. Caso contrário, ignore-o, independente de quem o diga. Análise lógica é importante, nada é o que aparenta ser...
Aprendi com ele que é fundamental ir além da aparência. Ir além, totalmente além... Na vida, tudo é resultado de causas e condições. E os meus pensamentos e julgamentos vêm das minhas próprias experiências e atos. Concluo, então, que não tenho base sólida para julgar os outros e seus motivos sem uma profunda análise. Sei que no comportamento hostil há sofrimento, desejos, sonhos não realizados, frustrações, um entendimento do eu separado do outro, etc. Ao ver esse quadro, compaixão é a resposta que parece levar a resolução do problema.
E com tranquilidade me lembro que nada é permanente, que eu vou colher o que planto nesse momento, que estamos todos sofrendo, que no dia a dia muita vezes tomamos a ilusão dos nossos pensamentos, opiniões, julgamentos por realidade nos levando a tomar medidas equivocadas e que a vida é muito curta para perder tempo reclamando ou brigando com outros. Sem esquecer que na realidade o ganho nunca é definitivo e o mesmo é verdade para a perda.
Hoje estou em um estado novo, curioso de si mesmo, íntimo e pessoal a ponto de não poder descrevê-lo. É um estado de aprendizado profundo que vai além do racional. Uma experiência que há de vivê-la para entendê-la. Sei que não existo independentemente nesse mundo, estou no meio de uma teia que se liga a todas outras, que o bem e o mal não existem separadamente. Na realidade tudo é bem diferente do que parece aos nossos olhos. Pouco a pouco outros olhos vão se abrindo como o de um recém nascido e a realidade parece muito mais brilhante e interessante do que jamais foi.

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